/Efeitos das tecnociências nas famílias

Jorge Forbes

 

Nada mais é como dantes era. Do nascimento à morte, vivemos o maior tsunami que já se abateu sobre o laço social humano, nesses últimos 2500 anos, tempo dos registros racionais.

O principal responsável por esse furacão é a NBIC. Sigla através da qual os americanos resumem: Nanotecnologia, Biotecnologia, Informática, Cognitividade.

Depois da revolução industrial, que soube operar a nível do milímetro; depois da revolução do chip, quando aprendemos a operar o mícron, milionésima parte do metro; agora começamos a dominar o nano espaço, o da bilionésima parte do metro.

Um exemplo palpável dessa conquista são os avanços na cura do câncer, uma das principais causa mortis da humanidade, por estarmos prontos para operar os cromossomos, no nível nanométrico. Nesta operação se articulam os quatro fatores citados NBIC. E, em uma velocidade geométrica, se articularão cada vez mais e melhor dado o que chamamos big data.

Quais os efeitos sobre a família? Pergunta essa mesa. E quais os efeitos sobre a clínica? É a questão correlata e consequente.

Listemos algumas perguntas:

– Como reagirá uma menina, ao chegar a sua juventude e ficar sabendo que seus pais, ambos cegos, modificaram o genoma dela, fazendo-a também cega, para melhor conviver com eles?

– Como se expressarão os sintomas de fracasso escolar, quando nossos  filhos ou netos terão um chip do google implantado em seu cérebro?

– E para completar esse aspecto, como será a cura da memória quando por esse mesmo chip perdermos a bela capacidade de esquecer?

– Como será ter trineto, quadrineto, pentaneto, ou como será ter pai e mãe vivos e ativos quando nós tivermos noventa anos e eles cento e vinte?

– Como viveremos o fim da providência que caracterizava a paternidade. O pai não será mais o eterno provedor, aquele que paga a pizza no domingo. Como ele vai se reposicionar e como os filhos vão se reposicionar com esses pais que vão durar muito?

– Como será o amor nos tempos das bodas cósmicas, muito além das bodas de prata e de ouro? E como a libido se realizará?

Essas são só algumas questões selecionadas ao acaso na linha da vida, que não tem nada de science fiction, pois são possibilidades do hoje, embora ainda curiosamente pouco discutidas nas plataformas políticas. Antes de sermos devastados por esse tsunami, melhor nos prepararmos a enfrentá-lo, diria mais carinhosamente, acolhê-lo, dado que estamos frente a um renascimento único da subjetividade humana, o que se configura numa chance que, dependendo de nós, pode ser uma feliz chance.

A psicanálise terá que ir além da estrutura edípica, pois esta, com sua estrutura linear e hierárquica, marcada pela supremacia do Simbólico, não lê a pós-modernidade, não basta para esse novo mundo, para TerraDois, como nomeei a emissão que criei para a TV Cultura, no Brasil.

Além do Édipo, na segunda clínica de Lacan, temos a clínica do Real. Uma clínica que evidencia o incompleto, o buraco na essência humana. Se nos animais a essência precede a existência – uma abelha, por exemplo sabe ser uma abelha, e ela é sempre a mesma -, no humano a existência precede a essência, somos sempre outros, daí criativos.

Se Freud descobriu o inconsciente, discute-se. Porém, com certeza ele descobriu, melhor, ele inventou o psicanalista, como ressaltou Lacan. Somos, assim, pelo trabalho com o Real, profissionais do incompleto. Não temos porque temer o avanço das tecnociências pensando que elas um dia abolirão o azar, o acaso, aludindo a Mallarmé. Não temos porque sermos cúmplice de uma ética do medo, como infelizmente propõe Hans Jonas ao final de sua clássica e fundamental obra Princípio Responsabilidade. Não, nós temos melhor resposta. Quando pessoas geniais como o criador da Tesla, Elon Musk, preconiza que talvez amanhã sejamos cachorros labradores da IA, sigla de inteligência artificial, o psicanalista saberá propor além de uma clínica do Freud explica, uma clínica do Freud implica, implica o sujeito na sombra que se renova frente a qualquer avanço tecnocientífico. Não se responde a isso com medo, mas com IR: Invenção e Responsabilidade.

 

Trabalho apresentado em plenária do VIII Encontro Americano de Orientação Lacaniana, em Buenos Aires, em 14 de setembro de 2017