/Eu sei tudo de você?

Jorge
Forbes

 

Eu sei tudo de você. Assim resume-se
a nova febre que acomete casais desconfiados, craques nas novas tecnologias.

Eu sei tudo de você: olho
seu whatsapp, baixo seus e-mails, fuxico seu instagram, bisbilhoto seu facebook.
E se der, gravo suas conversas e filmo os seus momentos.  Aliás, não controlo só você, mas também seus
parceiros, seus filhos, seus pais e seus amigos mais próximos.

Eu sei tudo de você e só
sabendo tudo de você é que eu posso confiar e declarar meu amor. Chamo isto de
transparência, posso aceitar descompassos, mas quero uma relação transparente,
na qual tudo que você souber de você mesmo, eu também sei.

Eu sei tudo de você. Oh,
quimera pós-moderna, ilusão dos inseguros. Nada disto pessoinhas antenadas, nada
de pensar que sua bisbilhotice vai lhes trazer maior conhecimento a respeito de
quem quer que seja. Bons tempos aqueles nos quais as pessoas se envergonhavam
de abrir uma gaveta alheia e quando bolsa de mulher e paletó de homem eram
intocáveis. Agora, com a desculpa rala de ver uma foto ou de que seu celular
estava tocando, os sherloquinhos conectados se permitem a incursões invasivas e
indecentes.

Pensam que se a tecnologia
está aí então é para ser usada, quando a ética reza o contrário: a existência
da possibilidade não autoriza o seu uso.

Ademais, há um erro básico
em imaginar que se conhece uma pessoa por colher informações supostamente
secretas. Nenhum ser humano é traduzível em palavras, o mais essencial de nós
mesmos não tem palavras, nem nunca terá. 
Nem mesmo a própria pessoa sabe de si, é o que todos os dias verifico
nos analisandos. A psicanálise melhora esse conhecimento, mas não tem intenção
de extenuá-lo. Aliás, se uma parte do tratamento visa o se conhecer melhor, outra,
talvez a mais importante, visa dar condições à pessoa decidir sobre o que não
conhece e que nunca conhecerá de si e dos outros.

Espera uma revisão, em
nossos tempos, o conceito de traição e de fidelidade. Não nos basta mais nos
aferrarmos à velha divisão simplista e maniqueísta, do branco e do preto, do
fiel e do infiel. O amor, especialmente na pós-modernidade, não se expressa em
nenhuma moral de costumes. Amar é bem mais complexo do que o claro ou escuro.
São as nuances que melhor rimam com os romances.

Alguém poderia perguntar por
que nestes tempos pós-modernos, continuamos a presenciar crises de ciúmes
apaixonadas. Embora pareça contraditório, não é. Exatamente porque vivemos uma
época múltipla e flexível é que os ciúmes se acerbam como uma tentativa –
falsa, sem dúvida – de acalmar a angústia da escolha.

Voltando, pesquisa recente
afirma que 40% dos casos de traição na Itália foram provocados pelo whatsapp.
Conclusão: jogar o celular pela janela? É claro que não. Só beneficiaria os
fabricantes dos ditos cujos. Melhor jogar pela janela aquela pequeneza humana
que não sabe diferenciar o que é da cena, com o que é da obscenidade. Explico:
as pessoas acham que além da cena está escondida uma verdade maior, A Verdade
maiúscula. Ledo engano, um dos sentidos da palavra “obsceno” é exatamente “além
da cena”. Assim, ir além da cena, do que está ali, visível, querer
escarafunchar além, para ter mais segurança – como dizem – não trás nenhuma
nova verdade. É simplesmente obsceno.

Artigo publicado na Revista GENTE IstoÉ – fevereiro 2015