/O dedo de silicone

Jorge Forbes

 

Parece um artigo pornográfico,
quando damos como título: “O dedo de silicone”. Fantasias explodem nas cabeças
ávidas por demonstrarem sua esperteza na matéria sexual. E, no entanto, não é
nada erótico esse dedo; ele só faz alusão à mais recente traquinagem descoberta
nas hostes das safadezas contra a cidadania. Não é que foi pega uma autoescola
em São Paulo que para evitar o penoso esforço, a seus honestos clientes, de
terem de comparecer às aulas preparatórias ao exame de motorista, com presença
controlada biometricamente pela impressão digital, resolveu tecnicamente a
questão, burlando o controle com dedos de silicone cuidadosamente
confeccionados para esse fim? Os dedos foram achados muito bem catalogados,
todos com a devida identidade do proprietário, para que não houvesse falso
reconhecimento, é claro. A cada um o seu dedo!

Esse acontecimento tragicômico
lança luz reflexiva sobre uma questão bem atual: o controle dos corpos. Numa
evolução estonteante, fomos daquela maquininha chamada de babá eletrônica,
simples engenhoca que colocávamos nos berços das crianças para sermos avisados
de seu choro, até sofisticados sistemas de áudio e vídeo, usados em múltiplas
faixas etárias: o bebê, o escolar, o velho. Quem vai impedir pais ou filhos
preocupados com pajens desconhecidas de vigiarem seus movimentos, ao saírem e
deixarem seus filhos, ou seus pais, com esses potenciais agentes da maldade?
Muito difícil. Foi-se o tempo em que por mais que a curiosidade matasse,
jamais, mas jamais mesmo, uma pessoa abriria uma carta ou uma gaveta de alguém.
Hoje, em nome da insegurança social, e facilitado pelo avanço tecnológico,
vai-se muito além da gaveta, na proliferação preocupante de câmeras e
microfones escondidos. Ainda se respeita certos ambientes, o banheiro, por
exemplo, mas é questão de tempo para que essa onda avance também nessa praia.

A biometria já foi muito
combatida no meio acadêmico-intelectual pela sua característica invasiva e
controladora dos humanos. Giorgio Agamben, por exemplo, filósofo italiano da
melhor cepa, renunciou a uma série de conferências convidadas nos Estados
Unidos, a partir do dia em que esses começaram a exigir a impressão digital na
entrada daquele país. O fato é que a progressão do reconhecimento digital de
nossos corpos é inevitável. Resta saber, apesar disso, se o pesadelo do
controle total é exequível. A resposta é não. A cada avanço das bugigangas de
vigiar o outro, pensando que nada escapa às máquinas, surgem novas escaramuças.

Ora, ou proibimos câmaras e
microfones, o que não parece nada realístico, pois o avanço da tecnologia é
inexorável, ou nos damos conta que não somos aquilo que o outro nos vigia e
capta. Tudo o que de nós pode ser copiado ou representado, é uma imagem, é uma
ficção, mas não é real. A melhor maneira de se defender em uma sociedade da
fofoca generalizada, como esta em que vivemos, é não dar
consistência ao olhar do outro. Os artistas sabem muito bem responder a isso:
sua foto nua em uma revista não autoriza intimidade a ninguém. Nada mais é do
que um dedo de silicone.