/Peça Para Sair

Artigo publicado na revista WELCOME Congonhas, abril de 2008 – ano 2 – número 13

Tropa de Elite serve de pretexto para justificar práticas duvidosas de motivação profissional

As piores projeções do crescente moralismo reacionário na sociedade globalizada estão se confirmando mais depressa que o imaginado. A Revista da Folha, publicação encartada aos domingos no jornal Folha de S.Paulo, datada de 23 de março, estampou em sua capa uma foto de um grupo de 21 pessoas, na faixa dos 30, 40 anos, distribuídas em duas colunas de dez, dispostas dois a dois, com a figura excedente à frente dos demais, tendo como pano de fundo uma bandeira preta com uma caveira ao centro, circundada de vermelho. Todos estão de braços cruzados, ninguém sorri.

Ao se ler a legenda, descobre-se que aquela não é uma fotografia de um exército, mas sim – pasme – de funcionários de uma empresa têxtil conhecida popularmente por sua produção de soutiens e calcinhas. Esses garbosos e sérios funcionários mostram, em si próprios, o produto do programa motivacional pelo qual passaram, no qual aprenderam que vencer o bandido e vender o seu produto é equivalente. E isso sob a inspiração de um dos maiores sucessos recentes do cinema brasileiro, o filme Tropa de Elite.

O longa-metragem de José Padilha é um grande filme, pois grande é uma obra de arte que provoca diversas interpretações e não uma só. Os de direita ficam contentes com as críticas ao falso bom- mocismo da esquerda universitária; os de esquerda se comprazem na denúncia da violência policial; os defensores da família torcem para que o protagonista, Capitão Nascimento, seja mais marido e menos polícia – só para lembrar algumas passagens. A complexidade de Tropa de Elite se vê pasteurizada, ou seja, perde sua virulência, quando reduzida a uma expressão banal, infantil, mas não por isso inofensiva, de que a melhor forma de motivarmos as pessoas seja transformá-las em um pelotão páramilitar, maniqueísta, no qual a experiência humana se reduz a ser caveira ou invertebrado; caveira, fica no trabalho, invertebrado, pede para sair.

Não, não podemos culpar o filme premiado por esse tipo de mediocrização, que se soma a outros exemplos contados pela reportagem de Maeli Prado, como o de uma seguradora de um importante banco brasileiro – associado ao cinema, até aqui ao menos, por outros motivos -, que pretende que seus funcionários achem dentro deles “as características do caveira” (sic), culminando com a pérola: “Quando alguém consegue bater a meta, faz no computador um bonequinho com a caveira do Bope e manda por e-mail” (provavelmente para o cemitério, é o caso de imaginar).

Se a polícia carioca conseguiu fazer uma tropa de elite, o mesmo não se pode dizer dessa ideologia empresarial que até mesmo já perdeu o senso do ridículo. Ela está bem mais próxima do contrário, da irresponsabilidade da elite, cujas conseqüências têm dado tanto trabalho às tropas policiais.
Disso, não há o que esperar a não ser pedir para sair.

Jorge Forbes