/Quais são os novos horizontes da políticas de admissão da Escola?

Jorge Forbes

I. O Tema

Esse é o título que me foi solicitado, à guisa de abertura, para o primeiro Colégio do Passe da Escola Brasileira de Psicanálise, após seis anos da experiência. Achei interessante o tema pedir para falar do futuro. É um título, portanto, otimista, mas não só : iniciar uma reflexão falando do futuro é mais compatível com a segunda clínica de Lacan, que trata menos de revelar e descobrir um passado que inventar um futuro.
Estabelecer o futuro está mais de acordo com a lógica do tempo que utilizamos em nossas sessões, aquela que inverte o bom senso pois, contrariamente a habitual que espera das premissas tirar a conclusão, em psicanálise é da conclusão que se deduzem as premissas. Assim, falar do futuro, dos novos horizontes, é precipitar uma conclusão desde aonde deduzir as premissas.

II. A Instância

Estamos no Colégio do Passe. O Passe é a própria essência, é o diferencial da Escola Brasileira de Psicanálise, da Associação Mundial de Psicanálise. O Colégio do Passe poderia ser chamado de Colégio do Diferencial; se assim fizermos, evidenciamos que interrogamos o próprio Passe, o que afinal é a função desse Colégio. E o fazemos porque o que nos une é um diferencial; este, não é o termo “lacaniano”, que hoje em dia está na “boca do povo”, nem o “psicanalista”, nem a leitura de textos comuns, mas, sim, no que coincidimos é no Passe e na orientação lacaniana.

III. O Presente

O Passe, até hoje o nosso diferencial, atravessa problemas: o Passe na entrada – isso já foi discutido – se por um lado trouxe à nossa comunidade o privilégio do divã sobre a escrivaninha, da análise pessoal sobre o saber textual, por outro lado não conseguiu evitar que iniciantes na psicanálise se inflassem em analistas da noite para o dia, como uma bolha de ar, derrogando um percurso conseqüente.
O Passe final, melhor dito, o Passe – pois a adjetivação não lhe cabe – também atravessa transformações. Se mostrou o novo, o criativo, o entusiasmante, favorecendo que as análises fossem mais longe na sua ambição, dando estatuto analítico à formação – e não universitário – não conseguiu escapar à sacralização do próprio dispositivo do Passe e dos seus nomeados. Entendo essa sacralização como uma decorrência do milagre da articulação do saber com o real. Se nós pensarmos que é possível o saber se imiscuir no real, então, “é o milagre. Nós falamos de milagre quando a relação da causualidade escapa” – (J.-A. Miller – La Cause Freudienne – no 48 – pag. 28).
Verifico que esse “milagre” ainda não suficientemente teorizado em nossa comunidade, estando na base da sacralização referida. Presenciamos apresentações carregadas do imaginário teatral, outras, aonde a discussão após o testemunho do Passe é suspensa, ficando o convite à contemplação do que foi exposto, em uma renovação carismática do “noli me tangere”.
Poderia ser diferente? Nossa comunidade existe por que anda e tropeça, e se consegue se manter em comunidade é porque sabe se apoiar nos tropeços para avançar. É o preço que pagamos por não descansarmos no grupo narcísico dos padrões e dos estandartes. Temos a coragem de por em questão o nosso próprio diferencial, essa é a nossa fortuna.

IV. O Futuro

O que hoje já contemplamos do nosso futuro? Observamos que caminhamos para a radicalização de uma análise conduzida na direção de um real fora do sentido. O real fora do sentido não é o mesmo que o real do sentido que aprendemos, ao menos um pouco, a julgar nos cartéis do Passe. O real do sentido julga o pacto do Nome do Pai que estabelece uma ligação entre um saber construído com um real igualmente construído. Se avançamos na clínica, também avançamos no julgamento do Passe. Estamos mudando o final da análise – diferente de atravessar o fantasma – e temos que especificar o que entendemos agora como final, e como término, uma vez que fazer o Passe não exclui a retomada de uma análise, aliás, é significativo o número de AEs que retomaram uma análise. Alguns o fizeram pelo impacto da sua nomeação. Outros, aconselhados pelo Cartel do Passe que os nomeou e, ao mesmo tempo, sugeriu-lhes andar um pouco mais. Terceiros, analisam um mais além do testemunho feito.
Este tempo de mudança de um real construído para um real fora de sentido, vou designar assim, eqüivale à passagem de uma clínica de retas e planos; serial, lógica, compreensiva, explicável, para uma clínica borromeana, transversal, fora do sentido, onde a frase de Lacan, nos EUA, em 1975: “quando o analisando pensa que ele está feliz da vida, é o bastante”, ganha nova dimensão.
Essas questões fazem-me pensar que teremos ainda que elaborar novos procedimentos no Passe, no Cartel do Passe, na formação do analista, na transmissão da psicanálise, enfim, nenhum dos domínios da nossa ação, ficará intocado frente a essa revolução. Por exemplo: como será o julgamento de um Cartel do Passe sobre um relato do estabelecimento de uma felicidade, ou, de um novo amor? Temos aí uma estrada a um novo horizonte

V. A Proposta

Concluo com três pontos de uma proposta incipiente:

1. Estamos com o Passe na entrada suspenso na Escola Brasileira de Psicanálise. Parece-me prudente que assim fique até julho de 2002, em Bruxelas, quando na nossa comunidade maior, na AMP, esses novos avanços, espero, trarão melhor discernimento.

2. Penso que esse Colégio do Passe pode fazer um trabalho entre si, e também provocá-lo na Escola, sobre o diferencial da nossa comunidade e as modificações pelas quais atravessa o Passe.

3. Poderíamos produzir textos sobre esses pontos e contribuir ao debate do próximo Congresso da AMP que, sob o tema da formação, necessariamente discutirá estes tópicos.

São Paulo, 18 de agosto de 2001