/Felicidade é responsabilidade pessoal e intransferível

Entrevista de Jorge Forbes publicada no site A Tarde.com.br

Quarta-feira, 15/01/2014 às 18:16

“Felicidade é responsabilidade pessoal e intransferível”

Fabiana Mascarenhas

O psicanalista e médico psiquiatra Jorge Forbes sempre defende que buscar alguém para suprir as carências emocionais é assinar um atestado de infelicidade permanente. “Só pode estar junto aquele que pode estar separado. A felicidade é uma responsabilidade pessoal e intransferível”. Segundo ele, a primeira coisa que é necessário saber é que a felicidade amorosa não tem garantia. “Todo amor é um contrato de risco que mantém os parceiros sempre alertas”. Doutor em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre em Psicanálise pela Universidade Paris VIII e doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), Forbes é um dos principais introdutores do ensino de Jacques Lacan no Brasil, de quem frequentou os seminários em Paris, de 1976 a 1981. Teve participação fundamental na criação da Escola Brasileira de Psicanálise, da qual foi o primeiro diretor-geral, e atualmente preside o Instituto da Psicanálise Lacaniana (IPLA). Recentemente, ganhou o prêmio Jabuti com o livro Inconsciente e Responsabilidade – Psicanálise do Século XXI, em que estuda as mudanças necessárias a uma psicanálise para os tempos pós-modernos, além do Édipo. Para Forbes, estamos vivendo uma nova forma de amor, que ele define como o amor da pós-modernidade. “As pessoas estão com as outras porque querem, não mais por obrigação ou necessidade”.

Apesar das conquistas femininas e de as pessoas atualmente serem muito mais independentes econômica e intelectualmente, percebe-se que homens e mulheres ainda buscam na relação o seu ideal de felicidade. Por que? Mas será que vamos pensar que a única razão para que as pessoas estivessem juntas seria a dependência econômica ou intelectual? Isso é desacreditar de vez no amor ou achar que amor é tema menor e piegas. Não vejo assim. É exatamente porque diminuímos as dependências que fica mais evidenciado o difícil que é a vida sem alguém.

E por que é tão difícil a vida sem alguém? Há um temor da solidão? Gosto muito da frase de Nietzsche “Vosso mau amor de vós mesmos vos faz do isolamento um cativeiro”. Sérgio Buarque de Holanda a lembrou quando comentou a cordialidade do brasileiro. É muito difícil frequentar a solidão de si mesmo, mas não tem jeito. Só quem pode ficar separado é quem pode ficar junto.

Então qual a melhor maneira de lidar com a solidão? Encontrando alguém.

O senhor acredita que temos evoluído pouco no aspecto sentimental? Acredito no contrário, que estamos vivendo uma mudança importante a ponto de merecer um nome: “novo amor”. Até bem pouco tempo, as pessoas ficavam juntas em nome de algo ou de alguém. Dizia-se, por exemplo “Estou com você porque jurei na igreja”; “Estou com você porque não vou me afastar dos meus filhos”; “Estou com você para manter nosso patrimônio”; e por aí seguia. O fato é que, hoje em dia, temos um novo amor, livre dessas intermediações, no qual se uma pessoa está com outra é porque quer, mesmo que diga que não.

Esse é o amor que o senhor define como o amor da pós-modernidade, no qual o laço social é predominantemente horizontal? Que tipo de amor é esse? Sim. A pós-modernidade trouxe uma revolução no laço social nunca antes vista. Nos últimos 2500 anos, nossos laços sempre foram verticais, no sentido de nos agruparmos em torno de um padrão, constituindo o desenho de uma pirâmide. Seja colocando no topo da pirâmide a Natureza, Deus, ou a Razão. Hoje, não há mais padrão, por conseguinte, não há mais verticalidade, motivo de falarmos em sociedade de rede, horizontal. Nessa sociedade, detectamos um novo amor pelo qual a responsabilidade é só dos amantes, sem desculpa. Uma pessoa está com a outra porque quer, ponto. O curioso é que normalmente não sabemos o que é esse querer. Ama-se sem saber o porquê e responsabiliza-se por esse não saber.

Em Os complexos familiares na formação do indivíduo, Lacan diz que a família prevalece na primeira educação e preside os processos fundamentais do desenvolvimento psíquico. Isso explica o fato de alguns serem mais carentes que outros? Carentes somos todos, uma vez que sempre nos falta algo. Por mais que recebamos, o desejo sempre aponta um mais além. O que nos diferencia é como reagimos às carências. A família cumpre um primeiro papel muito importante, mas, para nossa sorte, não definitivo. Sorte porque, se não fosse assim, cairíamos no determinismo que pensa que uma vez tendo tido um problema na infância, não se teria mais conserto, teria que nascer de novo. Nada disso.

A carência gera pessoas que desenvolvem uma dependência afetiva muito grande. Em contrapartida, vivemos em uma época em que as relações terminam mais facilmente. Como explicar isso? De fato vivemos uma época de mudanças de parceiros mais frequente que anteriormente. Isso não quer dizer que estejamos amando pior. Essa aparente contradição se explica facilmente. Se estivermos de acordo com o já dito, que uma pessoa só está com a outra hoje em dia porque quer e não por segundos ou terceiros motivos, não havendo mais amor, ou se reinventa ou se separa.

O senhor afirma que buscar alguém para suprir as carências emocionais é assinar um atestado de infelicidade permanente. Como evitar que isso aconteça? Evitando a dependência excessiva do outro. O problema é que, ao encontrar alguém aparentemente disponível, muitas pessoas agarram-se a ela como garantia de segurança emocional, econômica, social, espiritual, mas isso não é a felicidade. Idealizar que o parceiro é a fonte da felicidade tem dois lados ruins: o primeiro é que, enquanto está sem par, a pessoa acaba desvalorizando as outras conquistas da sua vida, que também são importantes, mas acabam passando despercebidas. Segundo porque, se, por acaso, ela consegue que seu relacionamento amoroso atinja seu ideal de felicidade, está fadada a perder essa situação, já que nenhum relacionamento consegue ser ideal eternamente. É preciso entender que só pode estar junto aquele que pode estar separado. Felicidade é responsabilidade pessoal e intransferível.

De que maneira esse apego ao outro se traduz no universo virtual, uma vez que observamos cada vez mais pessoas dependentes da rede social? Pessoas são dependentes de pessoas desde que o mundo é mundo. Nós nos entendemos sempre através do outro. Haja vista essa entrevista (risos). A identidade de uma pessoa é relacional, se dá na relação com as outras e com o meio. É o que possibilita dizermos que uma pessoa me faz sentir melhor, outras, pior. As redes sociais não são culpadas disso, elas só evidenciam a nossa natureza humano-dependente.

De fato, todo relacionamento amoroso é um contrato de risco? Sempre. O amor é um contrato de risco, no qual não há garantias. Isso porque não é possível estabelecer todas as cláusulas necessárias a um acordo. Até mesmo o elementar “Eu te amo” é sempre escutado com desconfiança, que leva o parceiro a responder “Ama mesmo?”. Amor é um contrato de risco que mantém os parceiros sempre alertas.

E o maior risco é daqueles que costumam transformar amor em remédio? Se amor é remédio, ele é daqueles cheios de efeitos colaterais e de reações adversas. Seria divertido escrevermos a bula do amor. É o que os poetas tentam todos os dias, em um trabalho infinito, pois sempre falta algo a dizer.

Ouvimos diversas pessoas se queixando sobre as mudanças que surgem depois de um tempo de relação. Querer que seja sempre “à flor da pele” é um dos principais motivos para o fracasso? O amor acorda, mas, de vez em quando, você quer dormir. Aí, com boa razão, vem o medo de o amor ir embora, o que leva muitos a tentarem congelá-lo para depois comê-lo requentado no microondas. Amor requentado dá azia brava. A paixão pode ser chamada de felicidade, mas, quando se transforma em um ideal de vida, fica supervalorizada e representa um perigo. Fica bonito no teatro, mas é muito triste na vida real. Daí personagens como Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa. Morreram porque tentaram eternizar a paixão.

O estado da paixão, de acordo com a ciência, dura de dois meses a dois anos, porque, se durasse mais tempo, ninguém conseguiria suportar. É isso mesmo? Divertem-me essas definições pseudocientíficas. O amor é uma coisa séria demais para ser formatado em padrões empíricos e objetivos. Agora, de fato, é duro suportar uma emoção que te questiona todos os dias. Há amantes entusiasmados e amantes cansados, não é uma questão de tempo, mas uma questão de criatividade.

Algumas relações amorosas tendem a extrair o que há de melhor em nós, outras, por sua vez, nos fazem ficar cara a cara com o nosso lado mais sombrio. Em sua opinião, por que isso acontece? Toda relação digna desse nome nos oferta os dois lados: o melhor de nós e o mais sombrio. O que se espera é aproveitar o melhor e com ele se guiar no lado mais sombrio.

O senhor diz sempre que felicidade não é bem que se mereça. Seria então uma questão de sorte? Olha, quando eu escrevi sobre isso, a ideia era chamar a atenção para o contrário daquilo que se pensa normalmente, a saber, que a felicidade seria fruto dos nossos merecidos esforços. Não é não. A felicidade, do ponto de vista psicanalítico, se dá no encontro, na surpresa, e não há esforço nenhum na surpresa. E, como disse antes, para haver encontro não pode haver dependência. Se não, o que se dá não é um encontro, é parasitismo. A felicidade sempre nos parece inalcançável. Por isso, quando uma pessoa está feliz, ela não sabe quem ela é, ela pensa que está sonhando ou que houve um engano. Ela acaba vivendo uma crise de identidade: “Esse cara sou eu?”. O mais triste é que a maioria das pessoas se assusta e sai correndo de medo da felicidade, exatamente pela sensação de estranheza que ela provoca. Por isso, dizer que há que se suportar ser feliz.

 

(link da publicação no site A tarde.com.br:

http://atarde.uol.com.br/muito/materias/1561790-felicidade-e-responsabilidade-pessoal-e-intransferivel?direcionado=true )