/Parecer da OAB é contra quebra de sigilo de psicólogo – O Estado de São Paulo, 23/9/2004

Prevista em caso de violência, medida deixaria profissional no papel de juiz, segundo a Ordem

SIMONE IWASSO

A quebra do sigilo do psicólogo em caso de violência, prevista na minuta do novo código de ética da profissão, provocou um debate sobre o papel do tratamento terapêutico. Grupos contrários à medida, que tentam rever a proposta, além dos argumentos técnicos, contam também com um parecer do Comitê de Ética da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) contrário à mudança.

Do ponto de vista legal, além de uma interferência, a medida modifica a relação no consultório. “A quebra do sigilo profissional deve ser encarada como uma faculdade e não como dever legal. No momento em que se estabelece a obrigação da delação, o psicólogo passa a fazer papel de juiz, julgando o paciente culpado pelo fato revelado no confessionário de um consultório”, afirma o advogado Braz Martins Neto, presidente do Comitê de Ética da OAB-SP.

“O psicólogo deve ceder ao convite de quebrar o contrato de trabalho com seu paciente? Não seria compactuar com a idéia de que o trabalho de lidar com as leis do inconsciente é ineficaz?”, questiona Aída Schwab, da Oficina de Psicanálise Lacaniana, que está recolhendo análises sobre a proposta. Para ela, a obrigação restringe e nega o tratamento. “Uma coisa é ter a permissão de quebra de sigilo em extremo risco de vida. Outra é a imposição.”

Com o mesmo ponto de vista, a Academia Paulista de Psicologia já procurou o conselho. “É uma proposta inócua, pois o código de ética já prevê a denúncia como possibilidade”, diz Salomão Rabinovich, presidente da comissão de ética da academia.

A falta de consenso também aparece entre os psicólogos que atendem crianças vítimas de violência. “Não sou contra em todos os casos, mas fico preocupada, pois muitas vezes a denúncia é prejudicial ao tratamento e aí o trabalho clínico é plenamente satisfatório”, afirma a psicóloga judiciária Leila Dutra de Paiva. No entanto, para a Dalka Chaves Ferrari, do Instituto Sedes Sapientiae, a medida é bem-vinda. “Fazemos muitas denúncias de crianças vítimas de abuso sexual e violência doméstica. O novo código tem uma posição mais clara para quem trabalha na área”, completa.

Artigos – Toda a polêmica está em dois artigos da minuta. O primeiro afirma que a quebra do sigilo “deverá” ocorrer quando há ameaça à integridade física ou psicológica do paciente e de outras pessoas.

O segundo diz que o psicólogo deve informar suspeitas de violação dos direitos da criança, do adolescente e do idoso. Hoje, a denúncia é facultativa.

A minuta, que ainda pode ser modificada, será votada pelo Conselho Federal de Psicologia em dezembro. O texto foi formulado após um ano de debates nos conselhos regionais. No fim do ano passado, um fórum nacional reuniu as propostas relevantes e criou o novo código.