/A felicidade na clínica de Jacques Lacan

Aula inaugural do Corpo de Formação em Psicanálise 2008 do IPLA , por Jorge Forbes, na noite 25 de fevereiro de 2008.

A felicidade na clínica de Jacques Lacan – uma aula de Jorge Forbes –

Um caminho de pequenas pedras, emoldurado pelo verde das árvores leva-nos à nova sede do IPLA, numa aconchegante vila bem ali na famosa Rua Augusta, em São Paulo, na segunda-feira, 25/2/2008. Uma construção e tanto. Para honrá-la, novos projetos já se formam. Neste embrião já está inscrita a programação para ser um centro de transmissão teórica e clínica. Serão mais cursos para o debate da psicanálise na cidade. E, o mais importante, a consolidação de uma clínica com excelência no segundo ensino de Lacan.

É o cenário da conversa inaugural, com Jorge Forbes. O tema por ele escolhido é inusitado. Unir psicanálise com felicidade é fazer um recorte. Não é exatamente uma criação, afirma o psicanalista, mas uma maneira de falar das mesmas coisas, realçando aspectos de maneira diferente. Assim fazendo, renova a presença do Real, que tende a se encobertar. Sua hipótese é de que Lacan, em sua clínica, buscava, o tempo todo, a felicidade.

Lacan falou de felicidade? Onde, além do final do seminário da Ética?

Em 1975, aos 74 anos, Lacan esteve na Universidade de Yale. Ali, os universitários lhe perguntam sobre até que ponto conduzia suas análises. A resposta soaria uma banalização da psicanálise, não tivesse sido proferida por ele:

“A única coisa que posso testemunhar é aquilo que minha prática me fornece. Uma análise não é para ser levada muito longe. Quando o analisando pensa que está feliz é suficiente.”

Merece considerações. Sempre ouvimos que tanto mais tempo de análise melhor. Ele está aqui falando o contrário? Não, Lacan está dando à felicidade o estatuto de defesa contra a psicose. A formulação é de Jorge Forbes.

No contexto desta citação, Lacan dizia que o sintoma ajuda o neurótico a viver e que a análise não pretende levá-lo à normalidade, ao menos não à normalidade pura. O psicótico é o normal. Ser normal é ser completamente dentro de uma norma, a ponto de não perturbar mais a norma. Assim, acaba-se com o sujeito. O psicótico seria aquele que não suporta a anormalidade.

A felicidade, ao contrário, só é possível quando a pessoa suporta aquilo que a destaca da normalidade. Neste sentido o problema da vida é a qualidade e a excelência, não o que não se tem.

Afinal, de que felicidade se trata? -“Por que você faz coisas que não lhe deixam feliz?” poderia perguntar o analista desavisado. Ter o que se quer, ser importante, ser amado, não ter angústia, saber dançar samba, nada disso serve à psicanálise como noção de felicidade.

A felicidade a que visou Lacan em sua clínica não advém de uma adaptação, tal qual fez o irmão de Michel Leiris(1) , que corrigiu sua alegria de reencontrar o soldadinho de louça caído da mesa: “Você está todo feliz, mas não é assim que se fala. Não é lizmente, é felizmente.”

Giorgio Agamben(2) também sabe que não é pelo aprimoramento da razão, mas pela magia, que a felicidade é possível. Magia é saber o nome que chama a vida.
“Cada coisa, cada ser, tem, além de seu nome manifesto, um nome escondido, ao qual não pode deixar de responder”.

Há uma tentativa de a língua recuperar o gozo, de falar a felicidade. Mas para a língua chamar a felicidade é preciso quebrar sua expressão comunicacional. É o que fez James Joyce.

Uma análise levada a seu termo ensina a conversar com o gozo. O gozo é invasivo e se puder ser capturado por algum discurso será por aquele que se valer do equívoco e da surpresa. Esta é a possibilidade de uma “bem-aventurança”, uma felicidade analítica, conclui Forbes.

Bem-aventurados os que conseguem não ser normais e se destacar.

Bem-aventurados os que continuam a falar a partir do desejo, depois de esgotada a queixa.

Bem-aventurados os que têm ideais, mas não o levam tão a sério.

Bem-aventurados os que suportam espaços vazios, silêncios e ouvir música clássica, sem enlouquecer.

Bem-aventurados os que saem da culpa e entram na responsabilidade do bem-dizer.

Bem-aventurados os que guiam sua ação por um cálculo coletivo, ou dos pequenos outros e não mais pelo reconhecimento do Outro.

Bem-aventurados os que suportam o encontro, a surpresa, o acaso.

(1) Leiris, M. em seu livro Biffures. Uma referência cara a Lacan.

(2) Agamben, G. em seu livro Profanações, capítulo: Magia e Felicidade.


Comentário-sinopse de Helainy Andrade, 1 março de 2008