/Sobre os Novos Usos da Psicanálise na Educação

Educar, hoje, não é mais transmitir conhecimento acumulado pelas gerações e nem assumir uma atitude de maestria em sala de aula. Também não bastam as técnicas de construção do saber pautadas no Imaginário ou no Simbólico. Educar é estabelecer novos laços. Laços com o real. Laços que vão além do sentido e da significação. Com o intuito de mostrar “Novos Usos da Psicanálise na Educação”, a Primeira Jornada dos Núcleos de Pesquisa em Psicanálise e Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e do Instituo da Psicanálise Lacaniana (IPLA), a se realizar nos dias 17 e 18 de dezembro, conta com a orientação de Jorge Forbes – Projeto Análise – para repensar a Educação a partir do conceito de real lacaniano. Uma investigação que captura os múltiplos espaços educativos e seus participantes sob uma nova ótica. Um processo de apreensão dos olhares atuais trazidos pelos ambientes educativos formais, às ONGs e à Educação nas empresas. Leny Magalhães Mrech, coordenadora dos Núcleos e livre docente da USP, apresenta a proposta nessa entrevista.

Projeto Análise: Qual o maior atrativo para o participante da Jornada?
Leny Mrech: O nosso objetivo é discutir assuntos que não estão sendo trabalhados em nenhum outro lugar: os novos sintomas na cultura e na Educação atual, que acabam interferindo nas instituições educativas e na própria Educação atingindo a alunos e professores, pais, funcionários, etc.
Esse trabalho é baseado no último ensino de Lacan, estudado por nós já há bastante tempo a partir das colocações de Jorge Forbes e das discussões estabelecidas nos módulos de pesquisa do Projeto Análise.
Discutiremos a queda dos modelos de orientação baseados na função paterna e, por outro lado, a importância do estabelecimento de um outro tipo de laço social que não seja pautado apenas no sentido, na significação. Nós discutiremos o sentido e o seu excesso na Educação. Assim como também a importância de um direcionamento cada vez maior para o registro do real, como propõe Lacan. Um estouro dos modelos de reciprocidade entre o professor e aluno. Apresentaremos uma educação que está além do Complexo de Édipo.

PA: Os jovens não ouvem mais os pais ou os professores? LM: Um dos problemas mais sérios encontrados pelos professores é que eles não sabem mais como se conectar com os seus alunos. Eles também não fazem mais laços. Por sua vez, os alunos fazem laços com outras coisas – o celular, o grupo, a internet, etc. Os circuitos de gozo aparecem em contextos cada vez maiores. Não é por acaso que as instituições educativas enfrentam enormes questionamentos. Ensinar à moda antiga não funciona mais. Tudo isso faz com que seja fundamental repensar a educação de uma forma geral.

PA: Quando o laço educacional se estabelece, com ele é?
LM: Ele é essencialmente criativo e emocional. A grande diferença – e esse também é um produto das nossas discussões com Jorge Forbes – é que, para nós, tem se tornado cada vez mais importante obter novos referenciais a partir do contato direto com os jovens, com as crianças. São laços de uma dimensão nova. Laços de afeto e de implicação. Os alunos desejando investigar o que foi solicitado pelo professor, porém a partir de um circuito direcionado para eles mesmos.

PA: Que relação tem essa proposta com outros projetos de educação como, por exemplo, o construtivismo, que envolve a criação e dá abertura a uma parceria do professor com o aluno?
LM: Nossa vertente é outra, diferente do construtivismo. Há basicamente três linhas educativas, se examinarmos a questão por um viés psicanalítico. Uma primeira reforça a dimensão do simbólico, enfatizando a função paterna, os limites, a imposição pelo professor do seu controle em relação aos jovens. A segunda linha envolve o imaginário. Predominam em seus trabalhos discussões em torno das fantasias do professor e dos alunos, instituindo a crença de que se as fantasias de ambos forem elaboradas, a relação pedagógica ocorrerá da maneira ideal. O construtivismo pode se basear nesses dois aspectos: simbólico quando deriva das propostas de Piaget, ou permeado pelo imaginário, nas práticas de inteligências múltiplas. A nossa proposta assume a terceira vertente – aquela que enfatiza a importância da dimensão do real lacaniano. Esta é diferente das demais porque aquilo que nos interessa é lidarmos com o furo no real: com aquilo que a linguagem não consegue abarcar, algo que está muito além do sentido e da significação. Neste caso, o que assumimos é que haverá sempre um mal-entendido essencial. Aquilo que Lacan designa em outras palavras como o “não há relação sexual”, ou seja, a não completude possível, a não reciprocidade possível. Nós temos que nos ver sempre em relação à angústia que é um dos sinais mais importantes frente ao real.
Este é um dos fatores que levam os professores a se sentirem terrivelmente angustiados. Eles não sabem como lidar com seu trabalho. Muitos acham que vão encontrar a resposta em alguma teoria, em alguma abordagem que traria o sentido do seu ensino. Nosso trabalho segue uma orientação inversa. A teoria, o sentido é uma defesa frente ao real. Uma tentativa de tamponar o furo do real. Para nós é fundamental deixar o professor vivenciar o furo para possibilitar aquilo que emerge de novo. Laços que acabam sendo invenções, pontes onde não há nada, mas que tecem um caminho para frente em direção ao futuro. Uma aposta no futuro. Uma nova maneira de lidar com as modalidades de gozo na escola, aquilo que tradicionalmente é nomeado de “cotidiano escolar”.

PA: O que vai mudar para o professor?
LM: Ele não deverá mais ser um transmissor de conhecimento, mas sim alguém que implique o aluno na cultura, oferecendo uma abertura para ela. Falo no sentido mais amplo do termo “cultura”, ou seja, conhecimento e integração das formas sociais. O professor será um cultor. Assim, a relação muda também para o aluno. Ele não verá mais o professor como aquele que representa um saber a ser transmitido. Verá o professor como um intermediário, provisório, na sua inserção, implicação e conseqüência cultural.

PA: O programa da Jornada anuncia uma extensão do espaço de ensino para além da sala de aula. Fala do aprendizado na empresa, na cultura. Há um novo ambiente, mais extenso, de educação?
LM: Estamos vivendo algo inteiramente novo. Um contexto educativo que ultrapassa o plano das próprias instituições educativas formais. A Educação aparece hoje sob uma forma difusa e ampliada na cultura. Por exemplo, até na área médica, quando a pessoa vai ser operada, aparece alguém para explicar que tipo de cirurgia ela vai sofrer e quais serão os efeitos posteriores que provavelmente o sujeito sentirá. Então, não dá para limitar os contextos educativos apenas às escolas. O posicionamento do sujeito frente às empresas, frente ao que seria o mercado, é um aspecto de importância extrema. Nós não nos damos conta do quanto a própria empresa vem se transformando a partir das demandas dos consumidores. Quem nos alertou primeiramente para este processo foi o Dr. Jorge Forbes. Aos poucos, fui descobrindo que, nas empresas, hoje, o consumidor ocupa um lugar de destaque. O lugar que determina até aquilo que empresa irá fazer. Assim, se elas aparecerem socialmente apenas pela vertente do consumo, elas acabarão perdendo seus clientes. Então, discussões como esta serão tratadas em nossa Jornada para trazer um novo olhar. Lidamos, por exemplo, com a educação executiva, propondo uma nova disposição cultural para as empresas. Isso faz com que se tenha que lhes introduzir conteúdos relacionados à psicanálise, tais como: a importância do sujeito, do desejo, em um novo pacto social.

PA: Quer dizer que a pessoa não desempenha mais um papel, ou não se espera dela um papel pré-determinado?
LM: Exatamente. De alguma forma, estamos lidando com algo que ultrapassa o modelo de indivíduo e o senso de fazer parte de uma espécie. Estamos em uma vertente que é da ordem da singularidade, que permite ao sujeito ser considerado dentro de um contexto que vai muito além dele mesmo.

PA: Como fica a transferência entre professor e aluno?
LM: Geralmente, o professor a concebe através do modelo clássico. Então, ele se pauta, na condução da aula, por um tipo de relação com o aluno não muito distante, mas também não muito próxima. Os alunos podem se manifestar, mas não muito, de preferência sob a expectativa de que eles apresentem posteriormente alguma produção.
É um modelo que encontra obstáculos porque o aluno atual tem extrema resistência em trabalhar conteúdos. Muitos não lêem os textos propostos, não executam as atividades estabelecidas. Grande parte deles falta, chega atrasada.
Em contraposição à proposta de fixar limites, temos prezado a responsabilização dos alunos por suas experiências em sala de aula, pelas atividades que executam. Conseguimos, com isso, mudar a dinâmica. Pois, não se trata mais de punir, mas de fazer uma implicação do próprio aluno em seu processo educativo. É a isso que chamo a criação do laço educativo. Um trabalho que o professor tem uma participação essencial. É o próprio aluno que redefine a sua forma de participação. Aliás, o que nos chama a atenção é que, na Jornada serão apresentados muitos relatos de professores que fizeram isso intuitivamente a partir de um pouco da orientação psicanalítica.
Agora, é preciso extrairmos desses circuitos que são meramente imaginários, intuitivos, uma formalização mais densa e articulada em relação às propostas da psicanálise.

PA: Será uma orientação como a de Summerhill, a escola inglesa em que as aulas são opcionais e os alunos participam da criação das normas de convívio e residência?
LM: Não. Temos seríssimas críticas ao modelo de Summerhill, porque ele desencadeou algo bastante complicado: desvinculou seus alunos da cultura. O conteúdo sempre foi desqualificado em Summerhill. Para nós, ao contrário, é extremamente importante enganchar o sujeito na cultura, de modo que ele possa trabalhar, moldar, lidar com os elementos do mundo de uma forma singular. Queremos que a cultura faça laço com este sujeito e vice-versa. Inclusive, para que ele possa criar, através do conteúdo apresentado, e não simplesmente repetir as lições que o professor ensinou. Trata-se do privilegiamento do aluno e não dos circuitos de repetição dos conteúdos culturais. Um movimento de criação e não de repetição.

PA: Qual a conseqüência dessa forma de educação, pensada com a psicanálise ou a partir do real? O que deve acontecer com o aluno?
LM: Levamos o sujeito a se auto-formar, a procurar o seu caminho, o seu modo de fazer uma parceria com a cultura.
Isso é muito diferente das propostas que privilegiam a “formatação” do aluno, prevendo que ele deve ser assim ou assado. Quando pensamos a singularidade a partir da psicanálise não há como traçarmos perfis para os alunos nos contextos educativos. A abordagem psicanalítica critica quaisquer “para todos” aplicados de forma reducionista.
Fazemos uma aposta que o aluno irá encontrar o seu perfil na cultura, a sua ligação com o saber, frente aquilo que for mais importante para ele.

PA: A conseqüência é um criador?
LM: É um criador. Nesse sentido, vivemos um momento na educação que, a meu ver, é fantasticamente estimulante.

Dezembro de 2004

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