/Velhice, pra que te quero? – Impressões de Daniela Gatto Rossi

 

A conferência “Velhice, pra que te quero?”, de Jorge Forbes, aconteceu no Café Filosófico, na CPFL em Campinas, no dia 25 de maio de 2012.

Forbes, bem ao seu estilo, iniciou com a leitura de um texto de Shakespeare, onde aparece a velhice como decadência, como fim. Diante disso, a forma mais tradicional de lidar com a velhice é a negação.

E continuou… a inquietação fundamental do homem é a morte, que está muito ligada à velhice.

Primeiro, como é tradicional, como esperado, Forbes “junta” morte com velhice para em seguida, separá-las:

“A morte é sempre uma surpresa! E nunca estamos preparados!”

Citou Heidegger: “Um minuto de vida é tempo suficiente para morrer”. Completou: “Nunca fazemos esta associação, a idade é o nome da morte. Isto é importante para que possamos suportar o amor. Como amar as pessoas que amamos pensando que podemos perdê-las a qualquer momento?”

Foi bom acompanhá-lo quando descreveu através de nossos estudos dos livros de Luc Ferry, as formas do homem lidar com a morte ao longo da história. Na primeira delas, com os gregos, o que ordenava o mundo era a natureza, então a morte era natural como parte da natureza. Em seguida vem o cristianismo com a promessa de vida eterna, há vida após a morte. Depois, com a ciência e o iluminismo, vem a razão e o homem torna-se o centro. A partir de Nietzsche, “com seu martelo” dizendo que nada disto serve, vem a desconstrução.

Nos nossos estudos, tínhamos como foco a salvação, as formas do homem lidar com a morte. Na sua fala, Forbes inclui aí, junto com a morte, a velhice.

Hoje vivemos o momento após a desconstrução. Estamos em frente a um novo amor, uma outra forma de viver e amar, e existe uma incompatibilidade da velhice como a conhecemos e como se vive hoje. E assim não se tem mais idéia do que é ser velho. Fica a pergunta se há uma saída. Há uma nova forma de lidar com a morte?

Não existe mais a aposentadoria calma aos (60?), para esperar a morte aos (70?). Ganhamos tempo de vida, com a ciência, e o que fazer com esse “tempo a mais” é desconhecido. Não é mais possível seguir o protocolo de como se deve ser velho, as pessoas não suportam serem todas iguais.

Jorge escolheu três personalidades singulares: Oscar Niemeyer, Fernando Henrique Cardoso e Chico Buarque. Falou deles como homens que inventaram a sua velhice, que responderam eles mesmos às suas perguntas.

Da platéia, um homem, de cabelos cinzas, lhe perguntou algo sobre a subjetividade do tempo. A resposta foi bela: “Todo velho se pergunta o que fazer com suas rugas, com seu corpo estranho. A criança também se pergunta isto. O jovem também. Nosso corpo é estranhíssimo para nós desde que nascemos. Não existe harmonia entre nós e nosso corpo. O corpo é sempre uma questão para nós”.

Gostei muito da forma como Forbes desenvolveu este trabalho, ao falar de amor, corpo, velhice e morte. Fui tocada pelas suas palavras e alguns pensamentos surgiram.

Duas passagens tiveram pra mim uma escuta especial. A primeira, logo no início quando disse que “um minuto de vida é tempo suficiente para morrer”, mas como amar quem amamos se podemos perdê-los a qualquer momento? Para suportar o amor precisamos então eternizá-los… pelo menos até a velhice.

Considerando o que lemos em Ferry sobre a importância do amor nesses nossos tempos, dá pra dizer que esta forma de lidar com a morte está ligada ao novo amor, à nova forma de laço social?

A outra passagem é quando lembra que o corpo não é uma questão somente na velhice, passamos a nossa vida nos perguntando sobre o nosso corpo.

Lembro que quando criança, era comum entre nós, apelidos, brincadeiras e provocações do tipo dentuço, cabeção, bambu-de-cutucar-estrelas, Zé-bola, zaroio, quatro-olhos e tantos outros. Nomes inventados sempre para lembrar aquilo que chamava a atenção no outro. Claro que era doído e gerava muita confusão, mas fico pensando o que essas brincadeiras causavam nas crianças, se as ajudavam a se darem conta do seu corpo como diferente de outro corpo. Hoje, brincadeiras assim são muito mal vistas, normalmente são tratadas como bullying. Não se deve apontar nada no outro, pega mal.

Além das brincadeiras, as cantigas de ninar também sofreram alterações, não se pode mais cantar “boi da cara preta, pega essa criança que tem medo de careta”, apavora a criança. Letras de canções infantis foram alteradas no intuito de “não dizer coisas ruins”.

Nas escolas não existe mais reprovação. Tapa no bumbum é péssimo, traumatiza.

Estes são alguns dos muitos exemplos que revelam, a meu ver, como as crianças têm sido poupadas de seus enfrentamentos.

Os jovens vivem a fantasia, ou exigência do corpo magro e perfeito, tão clichê que até parece que não é sério, mas trata-se de uma resposta comum, não singular, frente a algumas questões do corpo.

A velhice que se vive hoje é nova, ainda não se sabe muito bem dela, mas já vem acompanhada de alguns protocolos…

Acontece que o Real do corpo é outra coisa. Esta pergunta que passamos a vida toda nos fazendo sobre nosso corpo estranho, não tem uma resposta que seja igual pra todos. Faz muita diferença quando uma pessoa procura suas próprias respostas, é algo que interfere na forma de amar, de viver, como Forbes fez questão em marcar com os exemplos das vidas singulares que trouxe.

Acredito que uma pessoa consegue dar suas respostas quando é tocada pelo Real e disto faz uma causa. Sabemos que uma análise faz isso.

Também acredito que evitar que as crianças tenham seus enfrentamentos favorece a que procurem por respostas generalizadas. Talvez prossigam buscando igual na juventude e na velhice… E penso que quando se “toca a vida como todo mundo faz”, a velhice, a morte e a vida parecem mais assustadoras.

 

Daniela Gatto Rossi